quinta-feira, 21 de abril de 2011

Quando ficar mais velho é mais que casualidade, mas política

Grande Austeróbilo,
Não deixo de receber roupas em meu aniversário porque sou gordo. Essa é a manifestação mais clara de que, primeiro, você se veste mal. Precisa dar uma passada mais cuidadosa nas promoções GGs da Riachuelo. Segundo, emagreça e seja aceito socialmente. Porque nunca, em hipótese alguma, vão acertar seu tamanho. E é de propósito. Para ajudar. Destroem seu ego para manifestar preocupações com sua saúde!

Meus aniversários são sempre em segundas-feiras. Quando vão cair em algum fim de semana, subornam os chefões do Supremo para tornarem o ano bi ou ‘trissexto’, com a velocidade do tipo ‘Habeas Corpus para ricos’.
Aniversário é algo engraçado porque cada um reage à data de forma distinta. Quem tem menos dos dezoito vive querendo atingir a maioridade como se, de alguma forma, disso dependesse sua vida social. Quem tem mais de vinte e oito, vive querendo atingir as feições de quando tinha dezoito, como se, de todas as formas possíveis, disso dependesse sua vida sexual. Porque quem transa é jovem e quem come é adolescente. Adultos cumprem obrigações maritais.
A beleza de manter protuberâncias arredondadas é que ninguém estranha presenteá-lo com comestíveis ou que você guarde quitutes de festa em Tuperwares estrategicamente escondidas embaixo da mesa principal, para a semana de delírios estomacais.
A verdade é que não se fazem mais aniversários como antigamente. Aqueles velhos ‘sustados’ que realmente surpreendiam, cheios de amigos drogados em velhos carros turbinados para azarar no baile improvisado. Não se fazem mais carros como antigamente, as drogas perderam a pureza da curiosidade e, não, não se fazem mais amigos como antigamente.
A conclusão foi tácita e imutável, daquelas que só se fazem nos momentos de solidão mais inocentes em que somos imersos de vez em quando. Daquelas em que estar longe faz tudo parecer mais claro. Você anda entre os milhares de rostos de uma metrópole que passam sem cumprimentá-lo com um cordial bom dia. Porque se você o faz a uma criança é espancado como pedófilo. Se o faz a uma mulher, como ladrão.
Ante as doenças da modernidade, checa as mensagens dos sites de relacionamentos padrões. Porque hoje ninguém mais liga para desejar votos de coisa alguma. Muito mais lógico encaminhar bonequinhos retardados em cartões que ninguém nunca lê ou a politicagem simples do ‘tudo de bom’. Olha para o celular e checa as chamadas perdidas. Nada além de chamadas desconhecidas que você sabe não serem amantes latinas loucas para dar de presente, mas a voz doce que só as atendentes do Serasa apresentam.
E você anda entre os botequins da pequena vila de ilusões bebendo palmas animadas de comemoração. Sorrisos distantes que se fazem presentes a cada gole.  Você sai sem rumo e divaga sobre as possibilidades. Joga vídeo-game lembrando da época em que tudo se resumia a quem tinha um Mega Drive e quem tinha um Master System.
Volta para o hotel. Lembra que, antes, só iria a lugares onde houvesse familiares e amigos para acolhidas com boas canjas no fim de noite. Hoje, apenas se depara com um serviço de quarto frio e tímido de atendentes feias, que nem atendem de cinta-liga. Tem vontade de ‘fraquejar’, mas nega, mesmo com Scorpions tocando ao longe.
Você chega à festa com aquela impessoalidade típica de anfitrião que recebe convidados a toda hora. E cogita a possibilidade de o motivo ser muito além dos comes e bebes gratuitos que atraem até políticos. Passa a sentir que os olhares elogiam mais 365 dias bem vividos e não bolsos bem preenchidos. Desperta lentamente de seu pesadelo melancólico em que o mundo é um complô malsucedido.
E canta com entusiasmo as mesmas canções de sempre, acompanhado dos batuques reticentes de quem bebe. E dança como quem não sente dor no dia seguinte e beija os lábios de quem te aguardou por semanas. E sorri surpreso com as presenças antes impensadas. Sorri também pelas certezas não concretizadas, porque se dá conta que ainda se engana com as pessoas, pois ainda não envelheceu o suficiente. E bebe. Mais e com mais força.
E tira fotos. Várias. Comemora os fatos, as possibilidades, a despedida. E você perde o copo 37 vezes e meia. Segue a sambar sem saber, da mesma forma como outrora ousou viver, também sem saber. E declara seu amor infeliz ao telefone. E também o faz, aos prantos ébrios, a sua outrora risada matinal, ao mais amigo dos chefes e ao mais irmão dos amigos... Como se o próximo gole dependesse das confissões seguintes.
E parte o bolo, sabendo que pinga é light e mais divertida. E abraça com carinho quem te ensinou a respirar pelo nariz para que pudesse gritar simultaneamente. E olha em volta. E a bebida afeta os olhos, que sangram como quem diz ‘até logo’. E abraça como se sussurasse ‘obrigado’. E ouve as palmas como flashes brilhantes de uma vida não vivida. E chama uma criança para soprar as velas. E olha em volta. E se vê, óculos escuros, capota do Chevette abaixada em um belo dia de enxurrada. E sorri como quem percebe o fim do começo. E torce para que as velas continuem ali, queimando, o máximo que a eternidade puder manter acesas.

Um comentário:

  1. MARAVILHA DE TEXTO, INTENSO E LEVE AO MESMO TEMPO! VOCÊ É TELENTOSO POR DEMAIS COM AS PALAVRAS, ED.

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