quarta-feira, 20 de abril de 2011

Cheios de sucessos vazios

Nunca tinha parado para pensar no quanto uma música pode marcar uma geração. “Staying Alive”, dos Bee Gees (aquela do Rá Rá Rá Rá), representa uma era cultural quase tão fortemente quanto o “Lê Lê Lê Lê” o faz para nossa era escravista. “Thiller”, de Michael Jackson transcendeu a sua própria década e, hoje, é lembrada todos os anos durante o Halloween.

Gerações à frente, teríamos “Caminhando e Cantando”, do Geraldo Vandré, como símbolo de toda uma época (um dos dois únicos momentos históricos do Brasil). Anos mais tarde, a pré-adolescência de toda uma era não poderá ficar imune cada vez que ouvir “My Heart Will Go On”, de Celine Dion, que atazanou milhões de ouvidos, repetidamente, enquanto o cinema se rendia à era Titanic.

Quando penso que cada vez que uma pessoa olha para trás e se lembra de uma música que representa uma época, não posso deixar de prever o futuro e saber o que a atual geração vai levar como marca para um futuro não muito distante.

Foi com bastante pasmar que, certa vez, abri o top 10 da Billboard americana (que elege as maiores audiências em músicas) que se referia à música brasileira no exterior. Qual não foi minha surpresa quando observei Daniela Mercury entre os dez mais, tendo em vista que desde a última ‘ladeira’ dela que a mesma não lança uma ‘pérola’.

Nada foi tão absurdo, desconfortável, e revoltantemente cultural quanto reparar humildemente para o topo da lista. Lá, no império brasileiro exportável, nas paradas de sucesso dos gringos, não estava Chico, Caetano ou mesmo Ivete, mas uma música chamada Água. “Planeta Água?”, pensei.

Qual não foi meu susto ao observar que a intérprete do sucesso era ninguém menos que Sheila Melo, ex-dançarina do É o Tchan. Observando trechos que incluem “Tô virando água, teu corpo suado, você me secando e eu virando água”, dá para entender a magnitude do hit.

Muito do que se consome não se explica. Por isso, é justificável que artistas como Ivete Sangalo tenham mais coletâneas lançadas que álbuns inéditos: Perfil, Millenium, Só Sucessos, Ao vivo aqui, Ao vivo ali, As vinte mais... E o público espera por vinte inéditas, que nunca vêm.
É uma beleza! A gravadora investe alguns milhões em publicidade, monta um show de graça para as piriguetes, manda a mulher tocar trezentas músicas do século passado e coloca duas inéditas no meio. Pronto! Cd e Dvd vendendo que nem Sheila Melo, digo, água.

As crianças dos anos 00 não terão nem ao menos Sandy e Júnior para lembrar. Eles eram irritantes, mas ela realmente tinha ‘voz’ e ele, irmã. Dava para aturar. Agora, quem sofre são pais, que ouvem RBD o tempo inteiro, além de seus filhos tentando cantar em outra língua, usando gravatas de gosto duvidoso. Paciência.

Os jovens, vão ainda mais na onda eMoTV, para desespero dos pais. E vemos os bons exemplos passados por tais ‘poetas’. Sim, porque músico, na minha época, era sempre poeta. A baiana (o que já explica muita coisa) Pitty, por exemplo, desfere: “guarda os pulsos pro final, saída de emergência”. Veja que belo conselho! E tantos ainda perdem tempo com terapeutas...

Os brilhantes seres ‘de conteúdo’ ficam apegados ao passado, como forma de fugir do vazio de nossa arte musical. Outros, partem para o exterior. Certa vez, uma colega dizia o quão interessante seria ‘trocar uma idéia’ com Yoko Ono, contrapondo o desperdício de tempo que seria, fazer o mesmo com Britney Spears.

Penso diferente. Não seria um martírio maior tomar um chá das cinco com a pop symbol, do que ir à balada com Yoko. Afinal, temos que pensar no itinerário completo. Deslocar-me ao exterior para tomar chá numa varanda não faz nem o meu feitio, nem o do meu bolso.

Sucesso é algo tão relativo quanto uma pergunta capciosa feita a uma pessoa medrosa. Mas a fórmula é até simples. Ao menos, no Brasil. Quanto mais apelativa e vazia for a letra e quanto mais sugerir que a dancinha seja feita para passar vexame, maior o alcance e longevidade da obra. Simples.

Sendo assim, vieram boquinhas de garrafa e eguinhas como primeiros passos dados antes dos primores do quadrado e do creu. Não existe algo mais cultural e elegante que vários marmanjos pulando com uma perna só em seu quadrado imaginário e popozudas endiabradas dançando a simulação do orgasmo epiléptico.

Não existem mais músicas de conteúdo que fazem sucesso pelo simples fato que o romantismo saiu de moda. A poesia é careta. Até a saída simples e o paquerar entraram em desuso, não justificando a produções de ‘outras bebidas à go go’, como antigamente. Insistindo em manter as tradições e aplicando aquela conversa de fim de noite no portão com a paixão da vez, nada melhor que uma música especial.

Músicas-tema! Ah, há tanto que isso já não existe. E entre um beijo e outro, você se entrega ao som profundo da poesia contemporânea que substituiu a Bethânia de outros tempos. Deixando para dizer o primeiro ‘eu te amo’ (também careta) depois das últimas estrofes do Acústico Kelly Key, cantando “Baba Baby”, ao vivo no Mineirão. Que tempos!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...