domingo, 3 de abril de 2011

O lado negro dos 20 e poucos anos


Hoje vi o nascer do sol. Como há tempos não via. Como há anos não sentia. Entorpecido pela embriaguez imbecil da vodka ‘amiga’ dos tempos difíceis, imerso na água do mar pude ver os primeiros raios como quem assiste a um recomeço sem emoção. E observando de perto os dedos engelhados, pude me perder na noção de quanto tempo ainda ‘me resta’ e quanto já foi ‘gasto’.

Não sou uma pessoa especial. Nasci num berço simples, do tipo que, quando a inflação afetou a nação, chegou a faltar leite e biscoitos, como em muitos casos. Usava aparelho, óculos fundo de garrafas, meio gordinho, cabelo ruim e riso fácil. Não me misturava com facilidade. Sentava na frente mais para me proteger do falatório insistente que para dedicar-me às letras. Mas foi nelas que me encontrei. Ou imaginava ter encontrado.

Quase três décadas depois, dizem que sou interessante, competente, amável, talentoso. Mas não parecem falar de mim. Estagnado em um emprego, nem bom nem ruim, mantendo distância da família para evitar que o laço sanguíneo se desfaça, pulando de uma relação para outra (em que, numa delas, há uma gestação ainda secreta e completamente desconcertante), não sei bem quem sou...

Costumava achar que a vida seguiria meu plano juvenil de amor, fama e realização. Insatisfeito, grito aos céus, como se adiantasse. Mais preocupado com quão demorado se apresenta esse ‘tempo’, mais do que com sua chegada, em si. Deus só pode estar brincando.

Não fui descoberto por uma grande editora que publicou meu primeiro bestseller. Não dirigi a peça que revolucionaria o teatro contemporâneo. Não compus canções que se firmaram como um novo segmento da MPB. Tudo que tenho são segredos escritos e a obrigação de aparecer na fábrica às 7 da manhã para bater o cartão e seguir para meu serviço mais que burocrático. Quase sempre doente e com o peso oscilando, não sei me cuidar. Não faço ideia de como criar uma 'réplica mirim de mim mesmo'.

Os amigos se foram com as aulas, os empregos anteriores, as casas separadas por um muro, a necessidade de caça da solteirice degenerada. Na necessidade, submissão é a palavra de ordem, fazendo do ‘orgulho’ item dispensável e de um luxo distante. Lembro que já entrei em todos os templos e igrejas, atrás de respostas que nunca pareciam estar disponíveis. Já experimentei todas as bebidas e drogas, esportes e danças, celibatos e depravações. Nada.

Estou repleto de dúvidas (e dívidas). Olham-me como se esperassem que eu acreditasse ter todas as respostas, mas não acreditam que nenhum delas possa estar, de fato correta. Corro há anos, sem me importar estar em maratona ou 100m livres, mas nunca pareço chegar. Há milhares de mulheres solteiras no mundo, mas, de um lado ou de outro, a reciprocidade nunca parece ser uma opção. Trabalho pelo pão nosso de cada dia, sem poder nunca ‘santificar meu próprio nome’. Todos me apontam os dedos, mas ninguém parece, de fato, me enxergar.

Incertezas. Sem condições de resolver qualquer que seja a situação, saio da água em busca de mais uma dose. Deito na areia olhando a volta do sol na água já quase morna. Ele é esperado por todos e sempre está pontualmente de volta.

Talvez devesse ser mais como o sol. Uma missão a realizar, provendo aos que precisam de mim, sem questionar. Talvez. Prefiro, por enquanto, fechar os olhos, com as ondas a acariciarem meus pés. Não tenho respostas, mas esse momento, segundo e sensação, se tornam tão meus quanto o próprio nome. E, por vezes, é apenas no momento e no nome que você pode se apoiar para redescobrir quem é.

3 comentários:

  1. Não realizei meus sonhos... e algumas frases do texto dizem extamente oq eu sinto. Tento me reanimar mas tudo se torna cansativo e nada da certo.Esperava muito mais do meu futuro...

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  2. Ótimo texto... acho que reflete uma boa parte da "juventude" na casa dos 30 anos.

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