Menino e 'refeição' entre os escombros. Foto: Alcione Ferreira |
Pernambucanos, mais próximos dos desastres, contribuíram por mais tempo. Após alguns dias, foram bombardeados com os tristes números causados pelas chuvas e continuaram preocupados. Bem verdade que, sem famílias e amigos no local, os grandes constrangimentos partiram mais do incômodo de passar com o carro em ruas alagadas do que no fato de que pessoas estão apreensivas a cada gota de água que cai do céu.
No entanto, todos pararam para contemplar as tragédias de forma pontual. Durante alguns poucos dias, um incidente no Córrego do Sargento, na Linha do Tiro, zona norte do Recife, chamou mais atenção do que qualquer destruição em massa na Mata Sul de Pernambuco. No dia 17 de junho, um dos inúmeros deslizamentos de barreira destruiu uma casa e matando pai, mãe e três filhas que nela moravam.
As cinco pessoas serviram para engrossar as estatísticas. Representavam, pura e simplesmente, um número. Após dois dias, o casos foi ‘encerrado’. Mauricéia de Andrade Costa, 37, José Ednaldo Pereira da Silva, 28, Luana de Andrade Costa, 8, Cristiane de Andrade Costa, 12 e Maria Eduarda de Andrade Costa, 4, foram enterrados juntos, no Cemitério do bairro de Casa Amarela. Enfileirados, sob comoção dos vizinhos, um a um os caixões retornavam à terra que também os havia encerrado a vida. E a grande imagem da tragédia, poucos viram. Da parte de trás daquele mórbido corredor, a chuva fina abriu passagem e então, ironicamente, o sol se sustentava e secava a terra onde os presentes pisavam. Tarde demais.
O caso mais emblemático ocupou duas páginas de jornais, nos dois últimos dias de junho. Não houve grande alarde. Próximo a esse mesmo local, no Alto Santa Terezinha, o filme poderia ter se repetido. Numa casa onde uma mulher e suas seis crianças dormiam, a terra voltou a demonstrar suas forças. No resgate, pás e mãos ansiosas, enquanto o grito da dona de casa, Grináuria Bezerra da Silva, desesperava-se: “Falta uma! Falta uma”.
Grináuria e irmãos de Renata. Fotos da colega Alcione Ferreira |
Renata Bezerra de Santana, aos dois anos, ‘faltou’. Não houveram gritos, nem tempo, nem defesa. Enterrada no dia seguinte, a menina não foi vestida, porque, da casa, nem as roupas sobraram. Foi, então, trajada de flores. No canto do velório, em sua última despedida, a irmã mais velha mantinha-se calada. Cenário diferente do dia da tragédia, quando foi a responsável por dar a notícia ao pai “Corre! A barreira caiu em cima de Renata”.
O olhar distante de uma menina de nove anos causou dor em quem reportava a história de sua família. Havia algo de inocência em seu semblante, marcado por seus olhos perdidos no nada. O mais desconcertante é que o olhar inocente não era o de quem não compreendia o que havia acontecido. Pelo contrário, era a máxima demonstração de uma calma adulta já consolidada, que reafirmava que aquela era uma situação comum, quase esperada; natural como a maturidade de quem começa, desde cedo, a lidar com as limitações que lhe são impostas.
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