segunda-feira, 28 de março de 2011

Antes mal acompanhado do que só...

Sozinho? Não rola...
Chegou em casa, sorrateiro, tentando não fazer barulho, mas era difícil, com os movimentos comprometidos. Mexia-se devagar e mal enxergava com os óculos escuros que, dentro de casa, o cegava, mas não lembrava estar usando-os. Olhou para o relógio da sala, marcando 5h15. Horário bom de se chegar. Ao chegar ao quarto, selecionou as roupas com rapidez e tomou um banho. A água gelada atingiu em cheio sua nuca e a dor fina em sua cabeça indicava que deveria beber um pouco mais, muito em breve, se não quisesse ficar com uma ressaca angustiante.
Deixou a água escorrer em seu corpo com fartura, para se livrar do cheio doce de Renata, que àquela altura, já deveria estar entranhado em sua própria pele. Passou a mão no peito ardido pelas unhas dela, em mais uma noite regada a inconseqüências que apenas a juventude, de fato, permitiria. Sorriu ao lembrar daquele caso mantido à base de tesão, disponibilidade e comodismo mútuos. Até gostava da garota baixinha de ombros largos e cabeços cacheados, mas não conseguia se ver num relacionamento.

Primeiro, não era necessário, já que boa parte dos bônus da relação já estavam à mão. Segundo, não valeria o esforço. Eram diferentes, de mundos distintos. Cultural e intelectualmente falando. Admirava aqueles que abriam mão da construção conjunta de vida e recursos, em vez de carregar alguém nas costas movido por um sentimentalismo incompreensível, mas não era um deles.

Quando já estava arrumado e pronto para sair de casa, encontrou sua mãe com aquele velho ar de reprovação evangélico (daqueles que você atravessa a rua e deixa de entrar em uma igreja para não precisar receber). “Mal chegou, já vai para a farra denovo? Pelo menos come alguma coisa...”. Não precisava. Deu apenas um sorriso e meneou a cabeça, antes de trancar a porta, ainda ouviu “É essa a vida que você quer pra você?”. Mas ela não imaginava o quanto.

Nem sempre fora assim. Já foi do tipo namorado-flores-ligações-cantorias, mas algumas lições práticas o fizeram reavaliar a própria vida. Uma, que todo mundo investe naquilo que promete maior retorno financeiro (direto ou indireto). Outra, que ser um produto escasso faz subir seu valor de mercado. E ainda que, quem desdenha quer comprar. Não precisava nem ter estudado administração para isso. De forma bem menos delicada, aprendeu a maior das lições, já alertada aos quatro ventos por seu avô, mas, antes, não levada em conta: “bonzinho só se fode”.

Desceu as escadas correndo até o Logan preto estacionado em frente ao prédio, que já buzinava. Em cima do capô, Amanda já o aguardava, fumando seu cigarro marrom que cheirava a canela. “Pensei que teria que demiti-lo”, disse, sem mover o rosto. “De forma alguma. Até porque não misturamos negócios com prazer”, retrucou, tomando-lhe as coxas e beijando-lhe o pescoço em cima do carro, com o sol já totalmente exibido e presente. “Só prazer com prazer, mas na hora certa, menino”, disse, sorrindo e desvencilhando-se de seu abraço para entrar no carro.

Entrou no carro e sorriu ao olhar aquela mulher que teria idade de ser sua mãe. Não se imaginaria envolvido com uma chefe sob circunstância alguma há alguns anos. Olhou pelo vidro, enquanto o carro deixava a rua e sabia que em alguma daquelas frestas, sua mãe o observava. “Ela não preferiria ter o filho morto”, pensou. “Porto ou Calhetas?”, ouviu.

Pensou um pouco antes de responder. Eram dois estilos de lugar, assim como de vida. Percebeu que ambos ali eram iguais. Padeciam do mesmo mal. Uma vez traído ou abandonado, pessoa alguma volta a ser o que era e, em algum momento, por se prezar demais, decide deixar para trás sua velha versão e, enfim, viver. No fundo, sabia que três por dia significava, enfim, nenhuma pra vida, mas, como quem aguarda o sol aparecer, tomando banho de chuva (em vez de manter-se distante de suas conseqüências) preferia pelo doce caminho da perdição carnal ao amargo frio de uma solidão saudosa. “Porto”, respondeu. De deserta, já bastava sua consciência...

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