sábado, 26 de março de 2011

Hora do Planeta? No escuro, tudo fica mais claro...

Procurava uma ideologia para viver, quando encontrei na internet uma nota sobre a Hora do Planeta. Alheio a qualquer tipo de noticiário já há alguns anos, não tinha ouvido falar de uma corrente que, na mesma hora, desligava todos os aparelhos elétricos de uma residência para reduzir o consumo energético em todo o mundo. Me pareceu ilógico, achar que uma hora vai fazer diferença já que assim que todos voltarem a normalidade correriam aos computadores e condicionadores de ar mais próximos para 'matar a saudade'.


Antes que pudesse me preparar, o síndico do prédio onde moro desligou o registro geral. Ao que parece, agora sei, uma reunião havia sido realizada e todos seriam 'obrigados' a participar. Agora estava explicado porque havia tanta gente na piscina, com lanternas e doces. Aquela imagem de união que só se vê quando um conjunto de pessoas se vê despido de algum recurso levemente importante, como água ou energia elétrica.

O breu tomou conta. Na primeira investida pelo labirinto da casa, onde havia 'recém-mudado', consegui cortar a canela na quina do que achei ser uma espada mortal, mas era a quina da mesa de mármore. Em busca de um copo de água, as mãos na parede eram o guia. Incrível imaginar viver sem a visão por toda uma vida. Tudo parece mais amedrontador, mais frio e solitário. Os ecos ficam mais altos e até o vento parece ameaçar.

O cheio da madeira inebriava, quando pisei em uma bola de algodão, estranhamente largada no chão, entre as várias caixas de papelão de mudança que eu, involuntariamente chutava. Qual não foi minha surpresa quando a mesma bola fez som e mexeu-se sob meu pé. O susto só não foi maior que a corrida desenfreada, apenas freiada por uma porta de guarda-roupa aberto, que 'inventou' de ficar no meu caminho e 'carinhar' meu rosto em cheio. No chão e sem perceber por certo onde estava, refleti um pouco sobre o sentido da vida e da valorização de habilidades simples, como a possibilidade de ver e fiquei agradecido aos ceus.

Antes que pudesse ir além da superficialidade da conclusão, uma dor latejante e inconveniente me atingiu o intestino. O primeiro desafio foi encontrar as chaves do banheiro, ainda trancado. Na hora da necessidade, nem é preciso visão de raio-x para fazer coisas milagrosas, como encontrar a correta em um grande molho. O segundo, e mais preocupante, ao adentrar o recinto era: "senhor, em qual dessas caixas eu pus o papel higiênico?".

Abri uma, duas, três, quatro caixas, mas o mais parecido que consegui a um rolo de papel, foi a insistente bola de algodão que pareceu voltar para terminar o serviço de me tirar o juízo. Agora era inevitável. Agarrei o que parecia ser um caderno e corri, para, pela primeira vez, atender ao chamado fisiológico da natureza no escuro. Dica: além da audição, o olfato também fica mais apurado quando se perde um sentido. Maior que a agonia do resultado mal vindo de um dia regado a churrasquinhos e feijoada, apenas a certeza que, naquela situação, pobres e ricos, fortes e fracos, são todos iguais: se acabam pelos fundos.

Alguns minutos depois, o banho reforçou a teoria da compensação. A água fria que escorre pelo corpo e a reação a cada toque, quando não se pode enxergar qualquer fonte de luz, gera uma sensação diferente. Mais agradável, quase doce e sensual. O resultado de chuveiro e sabonete não deve ser comentado por restrições que o horário livre impõem, claro!

Ao fim do banho, foi até divertido escolher a roupa às cegas. Passar a mão em cada tecido e juntar o que parecia melhor, sem se importar com marcas e cores pareceu um exercício de eliminação da futilidade, em que o essencial era respeitado. Consegui, em alguns minutos, compor o final do cenário. Ao, finalmente terminar de pentear os cabelos para sair e me preparar para descer os 17 andares do prédio pelas escadas, a luz voltou.

Em uma hora sem ver, passei a ver as coisas diferentes. Isso não me impediu, claro, de trocar os sapatos e meias que, em meus pés, faziam uma festa com peças de pares diferentes. No entanto, estar sem visão ou contato informatizado com o mundo me fez perceber que pequenas coisas passam despercebidas em nossa volta todos os dias. Na correria do cotidiano, não notamos o quanto a lua muda de fase até que ela esteja cheia e alguém nos mostre. Percebi que é sempre importante deixar tudo certo e abastecido, desde a água no filtro ao papel do banheiro. E, principalmente, o quão independentes ainda podemos ser das máquinas.

Então, deixei a casa, fechei a porta e peguei o elevador. Certamente, o papo, hoje, fluiria com mais naturalidade, uma vez tendo me tornado um ativista ambiental por uma atitude tão simples. O humor havia até melhorado, até, claro, o elevador parar e um blecaute ser anunciado, há quase três horas. Como a Hora do Planeta foi anunciada, descarregaram o gerador, claro! Para minha maior satisfação e tranquilidade. E é daqui que vos falo, porque, por opção, até pude participar da hora que seria do planeta, mas essas que eu estou aqui, preso, não. Essas são do síndico. Ele que me aguarde.

*OBS. Puramente ficcional

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...