Chegou em casa e viu o filho, de oito anos, ao videogame. Concentrado, ele mal virou o rosto para dizer “Oi, pai”. Não gostava que ele jogasse àquela hora da tarde, quando deveria estar fazendo o dever de casa, provavelmente já atrasado. Gritou por Maria duas vezes e tudo que encontrou foi um recado na geladeira: “Fui buscar o dinheiro do Bolsa Família e volto depois”. Nada mais.
Sentou-se no sofá, observando o filho brincar. Ao lado de seu joelho, notou, estava notebook da casa, que brilhava com algumas mensagens instantâneas de uma dessas redes sociais. Pensou como Maria podia deixar um menino daquele tamanho sozinho em casa, subornar sua atenção com alguns jogos e ainda esperar que a confiança se mantenha a mesma. Se falasse algo, certamente ouviria “E eu não deixei recado? Ia bem deixar o dinheiro lá pro Governo ‘comer’?”. Lamentou. Ainda mais essa. Tinha que achar uma outra empregada. Não era fácil estar em seus chinelos.
Pensou como aquele comportamento estava recorrente de uns tempos para cá. Pedreiros que apareciam na hora que queriam, babás que exigiam todo tipo de compreensão antes de começar a trabalhar, garçons que insistiam em não querer enxergar os clientes com os braços levantados... Certo dia ficou tanto tempo com a mão para cima em um restaurante que quando foi atendido e perguntado o que iria querer, respondeu “Gelol, por favor”.
Acreditava na idéia de ajudar os mais necessitados e de buscar a inclusão social (toda a balela política que a classe média não tem nem peito de discordar), mas parecia que todo o mundo estava mais relaxado com as obrigações e folgados quanto ao futuro. O ‘país do futuro’ deve ter providenciado algumas antecipações para que todos ficassem tão à vontade. Já tinha gente que avaliava se vale a pena, realmente, trabalhar cinco dias e meio na semana, quando se pode ganhar mais da metade do salário simplesmente não trabalhando e fazendo menino para mandá-lo para a escola por alguns vários anos.
Lamentou pelo mundo que o filho deveria encontrar pela frente. Lembrou de suas próprias expectativas quando mais jovem. Tinha certeza que seria biólogo marinho e trabalharia no exterior, com sol o ano inteiro, o que pôs na cabeça depois de assistir ao primeiro ‘Flipper’. Hoje, contabilista, se virava como podia para encobrir as falcatruas de seus clientes antes de auditorias e voltava para casa se sentindo sujo e, como sempre, liso.
Procurou não reclamar, nem silenciosamente. Com exceção de alguns amigos solteiros e mais jovens, com ganhos médios de R$ 5 mil mensais, não conhecia um ser humano que não reclamasse de salários. Não agüentava ouvir as lamentações de cada um que afirmava não conseguir pagar as próprias contas, mas estava sempre em mesas de bares ou saindo de lojas de sapatos com mais de uma sacola. Há tempos, decidiu não reclamar da própria renda. Se quisesse ganhar mais, que tivesse feito um concurso público, como tantos fazem ou malhasse o suficiente para ser michê e gogoboy até ser chamado para um reality show.
Olhou ao relógio, 16h30 de uma terça-feira, em uma semana que ainda prometia muitas reflexões semisuicidas após os estresses no escritório. Notou o quão fácil parecia a idéia de ter um ‘pai’ invisível que prestava a mesada no final do mês e o porquê tantos se perguntavam se valia a pena mesmo trabalhar. Concluiu que não. Que 'trabalho' mesmo era ser assaltante de banco. Investidas ocasionais, ganhos reais, ativos não declarados incrementando o capital de giro... Sorriu. Não conseguiria sair ileso da primeira tentativa. Até para ser bandido era preciso talento e perseverança, coisas que ele não teve nem para virar biólogo marinho... Que seu filho não tivesse a mesma idéia e, olhando novamente o relógio, pensou “e nem Maria...”.
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