domingo, 13 de março de 2011

"Puta, tem em todo país", disse Juliana

Chegou ao local, que mais parecia uma vila estranha que palco de algo que poderia mudar a vida de alguém, como o haviam prometido. Pagou rapidamente ao taxista que já praguejava pela demora e pensou como o povo daquela cidade parecia mais exaltado e apressado. Deixou-se levar pela multidão que já se formava às poucas horas da manhã, com o sol já alto e, em pouco tempo foi abordado por um grupo de jovens garotas vestidas de diabinhas que o seguraram e puseram um líquido transparente em sua boca. O amargo o fez sentir calor de imediato, a ponto de quase não perceber seus glúteos sendo apertados malandramente. Reconheceu o sabor da cachaça, que o fora apresentado nos dois últimos dias e, ao ver as diabinhas indo embora pulando, como se nunca o tivesse visto antes compreendeu que a experiência seria diferente de tudo que presenciou antes, de fato.

Subiu duas altas ladeiras até avistar um bloco de rua vindo em sua direção. Sem sentido e opção, foi seguindo a massa, deixando-se contemplar a festa. Sorrisos em sua direção, fantasias que pareciam infantis em adultos claramente embriagados. Parecia que o mundo acabaria nas próximas horas e aquela seria a chance de despedir-se de todas as amarguras desprendidas aqui na Terra. Bebeu uma lata atrás de outra, que estavam sempre ao alcance da mão de quem, alheio à animação, trabalhava.

Assistiu atento aos passos ousados claramente mais difíceis que o dubstep de sua ‘casa’, ao qual já não era tão familiarizado. Achou bonito, mas percebeu que ninguém realmente fazia aquilo. Seguia o fluxo, com passinhos ritmados, saltos baixos e mãos ao alto, gritando, como se não houvesse amanhã. Olhou para o lado, uma bela mulata com não mais que vinte primaveras que o encarava. Antes que pudesse dizer algo, foi invadido por um cheiro de canela doce e tinha a boca invadida por sua língua nervosa e apressada, que o recepcionava ainda mais àquele estranho lugar.

A partir daí, vieram mais e mais bebidas. Encantado com a beleza daquela veia popular pulsando até onde a vista alcançava e com as ironias de quem bebia em frente às igrejas católicas, quase aos pedaços, ou urinava em paredes, ao lado dos banheiros públicos, talvez por mera opção. As músicas era quase sempre as mesmas, com exceção de uma brincadeira em que todos agachavam e pulavam todos ao mesmo tempo, que um ou outro grupo fazia. Não entendia porquê, mas achava tudo divertido. Não largava Juliana, “a Maria desse século aqui no Brasil”, como dizia em um inglês ruim, mas eficiente o bastante para manter a relação mais do que beijos e gritos para acompanhar o som dos clarins.

Sentiu um arrepio frio no pescoço quando, no crepúsculo, três grupos se encontravam aos pés das ladeiras para bater, em sintonia, grandes tambores. Mulheres e crianças requebravam em um ritmo compassado e marcante, que bem lhe lembrava dos documentários sobre tribos africanas que assistia de vez em quando, mas isso era mostrado ali, em terreno urbano, com gente de todas as cores, unidos apenas por uma sensação boa de que há sempre motivos para comemorar.

Com abraços e mãos nervosas, tentava convencer Juliana a seguir-lhe até o hotel, mas ela dizia-lhe sorrindo que nem toda brasileira era do jeito que ele pensava, terminando que “puta, tem em todo país”. Não gostou. Parecia briga em meio à festa. Perguntou se poderia pelo menos vê-la novamente. Foi beijado novamente e ouviu apenas “É carnaval”.

No dia seguinte, bebeu cachaça por conta própria. Decidiu não pegar o avião naquela manhã. Não enquanto diziam que a festa duraria até a quarta-feira. Precisava encontrar Juliana. Roubou uma flor do hotel e, com um sorriso, disse ao taxista: “O-linda”. Subiu novamente as mesmas duas ladeiras, olhou o relógio, quase o mesmo horário. Flor em mãos, sorriso nos lábios, esperava ver os cabelos negros da mulata ninfeta e briguenta. Foi num relance rápido que ela apareceu, olhando-o com certa compaixão, meio riso nos lábios.

Ele estendeu-lhe a flor e ela estendeu-lhe a mão, mostrando uma aliança que no dia anterior não estava ali. Mesmo assustado, beijou-lhe a boca e com um português recém-aprendido sussurrou em seu ouvido “É carnaval”. A mulata tirou do bolso uma segunda aliança e a pôs no dedo daquele desbravador quase inocente, por fim dizendo “que seja eterno enquanto dure”.

O ‘casamento’ não durou até mais do que a quinta-feira, mas ele, lembrando-se das marcas em suas costas, quase pôde sentir o cheiro de canela invadindo-lhe novamente. Baixinho, da janela do avião, vendo a cidade ficar pequenina lá embaixo, ia treinando a canção que Juliana o ensinou e apresentou sentido. Algo como: “Voltei, Recife...”.

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