Viu-se, mais uma vez, vulnerável. Pegou o telefone para ligar, mesmo já tendo se prometido não repetir aquele erro. A cada número discado, algo o dizia para desistir, mas o copo em sua mão incentivava. Não queria. Mas queria tanto... Falou. Atropelando as palavras, mas falou. A verdade inconveniente que ela esperava, volta e meia, para agir.
Não demorou muito até que ela chegasse. Cabelos ruivos, como só as travessas possuem, e longos, como as mais belas. Seu andar desprotegido e olhar carinhoso apenas reforçavam o perigo que aquela mulher, em corpo de menina, representava na vida de qualquer homem. Do alto de seus vinte anos, toda a vitalidade reagia ao menor dos toques, todos os pelos, ao mais delicado dos sussurros. O que alguns viam como fragilidade, ele já tinha aprendido ser armas de perdição, tal e qual o canto das sereias gregas, ao qual tantos marinheiros carentes sucumbiram...
“Pensei que não queria mais me ver”, disse, em tom de deboche. Não respondeu. Agarrou-lhe a nuca e as nádegas com firmeza e beijou-a com voracidade, como a dizer quem dá as cartas. A sofreguidão de seus olhos forçadamente fechados o denunciou o suficiente para que ela soltasse um riso de leve. “Nunca confie numa mulher que prova de tua boca com os olhos abertos, meu filho”, dizia seu avô. Se ao menos seu membro tivesse tanto remorso quanto sua cabeça pensante...
Mais uma vez, entregaram-se às suas próprias volúpias. Seu clímax duplo não chegou a ser o mesmo que o único dela “que valeram por dois”, disse, massageando-lhe o ego, como a lembrar-lhe com quem lidava, enquanto fumava um cigarro com cheiro de menta fresca. Ainda trajava apenas um lençol quando a ouviu: “tenho que ir”. Vai voltar para ele, pensou. Puxou-a para seus braços e fez sinal como quem garante que ainda há muita música até que a festa acabasse, mas ela, irredutível, como sempre, já se vestia: “Ele está me esperando”.
Perdeu-se em pensamentos. Gostava de suas idéias, que sempre o faziam sorrir. Podia contar com ela na hora da dor. Fora assim, nos dois últimos funerais de amigos e familiares. Ao menos, não estaria sozinho. Ambos curtiam Beatles juntos, tinham objetivos comuns e comiam o mesmo yakisoba, com molho agridoce à parte, acompanhado de vinho do Porto, seco, mas não ácido. E, claro, ambos falavam demais.
Recobrou a razão ao ouvir apenas “durante a semana, a gente marca novamente”. Lembrou de tantas vezes que ficou esperando por sua atenção e por quantos minutos teve de ouvir as lamentações do nome de outro. Num rompante, disse apenas “Acabou”. Foi recebido com uma gargalhada, como quem diz que aquela não era uma decisão que ele poderia tomar.
Abriu-lhe a porta e, antes que ela saísse, atirou o celular à parede. Ela não se assuntou, nem moveu a face, nem olhou pro lado. Apenas andou e parou, ainda de costas, como a esperar por um pedido de desculpas, mas antes de ouvir a fechadura bater, tudo que pode ouvir, ainda que sem acreditar, foi: “gosto demais de você, mas gosto mais de mim... E tenho certeza que a recíproca é verdadeira”.
É um prazer saber q minha "desgraça" ta servindo de inspiração pra alguém. ahahaah... Velho seus texto faz da minha vida ficar um pouco mais parecido com um Sitcom de comédia em vez de simplesmente um "perrengue" qualquer. =] keep it comming tho!
ResponderExcluirEd tô besta. Foi o primeiro que li e gostei demais. Adoro coisas cruas e verdadeiras. Não existe conto de fadas. A dor faz parte do nosso acordar. Amei. Siga em frente. Um beijo.
ResponderExcluirTexto legal, mas que não entendo por qual motivo fui "lembrado". Este fato não fez e nunca fará parte do meu cotidiano. Até porque, como você sabe, MACHO que é MACHO não fica machucado!
ResponderExcluiro bom da vida é justamentte isso,essa pluralidade em se envolver!! essa capacidade de esquecer,essa determinação em viver,curtir!! e saber até onde chegar!! com tanta diversidade e divergência,no final todo mundo acaba de envolvendo..e sem ...deixar de viver...
ResponderExcluirtudo isso é muito bom,caracteristica de quem não tem medo de viver, e de se levantar tantas vezes possa cair!!!
Acho que você falou de mim kkkkkkkkkkkkkkkkkkk. E nem me conhece. Será que as histórias se repetem? Tô cansada da mesmice das relações. Será que alguém ainda vai me surpreender nesta vida? Ou será melhor apostar na próxima? Ai ai. Muito bom o texto, como sempre! Glauce Gouveia
ResponderExcluirParabens Doutorr, como sempre perfeito1
ResponderExcluirNão me espanto mais com as coisas que você escreve pq já sei que são extraordinárias, porém não tenho deixa de lhe parabeniza por mais essa que está ótima :)
Ewelly