domingo, 16 de junho de 2013

Barata: o problema da classe média

Quando olhei para cima, a vi rastejando na parte de cima de um dos vagões do metrô. Barata. Daquelas inofensivas, miniaturas, que provocam gritos desproporcionais nas donzelas em apuros. Foi por isso que a ouvi. A dondoca, não a barata - ainda que ambas não valham muito -. Salto alto, echarpe no pescoço, quilos de maquiagem no rosto de vinte, na tentativa de fazê-lo parecer debutante.

Seria "normal", caso ela não estivesse voltando de um campo de futebol. E a barata se aproximando.
Não chamaria a atenção, não fosse sua cara de nojinho fitando corrimões do coletivo. A barata começa a descer em sua direção.
Não incomodaria, não fosse um comentário após o outro: "deviam ter um limite de ocupação. Imagina se eu tivesse que ir em pé?". Depois emenda: "E esses bancos? Meu Deus! Deveriam ser, pelo menos, estofadados, não é?". Já não vejo a barata.

O outro, ao seu lado, branco, óculos de nerd, cabelos de moda, rebate: "Mas não pode colocar estofado. Se colocar, o pessoal leva pra casa. Não pode botar coisa boa, que o povo destrói mesmo". A conversa engrena. São várias reclamações. "E ter que pegar ônibus? E ainda andar? Absurdo". Mas em um evento como uma Copa da Fifa, é preciso aparecer. Dar pinta. Postar foto no Instagram. Fazer check-in e voltar para casa. Não é preciso assistir ao evento, apenas ser visto nele. E foi assim que a classe média descobriu o metrô. Eles se "submetem". Achando o máximo publicizar que aquela é sua "primeira vez", como se, de fato, aquela fosse uma experiência antropológica excêntrica.

A classe média se acha foda. Sabe descrever exatamente o que seria uma "coisa de pobre" e dela corre. Criticar o que é de uso "do povo" é o mesmo que distanciar-se, distinguir-se, validar-se... A classe média não sabe o que é. O médio está ali, no meio, no básico. Nem lá, nem cá. É o que, abaixo, se deseja. Medíocre. Nada demais. Apenas.

Na escola, estar na média é ter o mínimo para passar do ano. É ser caçoado pelo nerd, que olha de cima para baixo, sem entender como se consegue viver com a possibilidade de escorregar a qualquer momento, de não se exceder. A questão é que a classe média é que ela não sabe ser média. Pensa ser especial por ter um padrão de vida superior à média "vigente", ainda que abaixo da média "ideal". O problema da classe média é que por não se enxergar, ela se vê além da conta.

Quando a dondoca se encolhe toda ao ter outra pessoa se aproximando - mesmo momento em que ela descobre o que seria "lotação" -, revejo a barata. Alinhada. Bem em acima de seus cabelos loiros, na mesma janela que ela faz questão de não encostar para não pegar "vírus de pobre". O veículo faz um barulho e ela choraminga: "estou com medo. Será que vai descarrilhar? E logo na estação perigosa?". As antenas da minha amiga balançam. "Se bem que todas são perigosas, não é? É bom segurar a bolsa!". Continuo calado, mas quase suplicando em pensamento "cai, barata. Se joga, miserável. Dá um 'xêro' nela". Nada. A dondoca levanta e sai, sem tocar as portas, limpando as mãos com álcool em gel e sem ver a barata que, por pouco não a acarinha. Porque classe média é assim: não vê a realidade que está perto, preferindo arrotar estar longe de todo o resto.

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