O homem de lata levantava os caixas de arrependimentos com as quais já estava acostumado. Distraído, ouviu gritarem para fazer mais e melhor. "Se esforça, homem de lata. Se esforça". E o homem de lata fez mais força que as engrenagens permitia.
O homem de lata conhecia mulheres de lata a cada fim de semana. Tinha cães de lata e latinhas com seu sobrenome. Apressado, não ouviu gritarem. "Me olha, homem de lata. Me olha". E o homem de lata seguiu em frente, sem perceber o óbvio.
O homem de lata trocava de óleo quando havia necessidade. Preocupado, sempre deu atenção quando gritavam. "Te protege, homem de lata. Te protege". E o homem de lata nunca se fez artigo de museu por opção.
O homem de lata colecionava tampinhas de garrafas. Com medo, escondia seus preciosos lacres até gritarem. "Passa, homem de lata. Passa". E o homem de lata se viu sem nada.
O homem de lata, feito de lata, não havia reparado no pôr do sol. Tampouco vira o nascer da lua. Muito menos se deixou molhar por uma chuva fina de propósito. E, então, se viu só. Se viu lata. Artigo da prateleira usada de um ferro velho de outrora. Vazio, sem glândulas, o homem de lata nada derramava pelo rosto frio, que nunca percebeu, começara a ser comido pela triste ferrugem.
Pela primeira vez, o homem de lata foi quem gritou. Um som gélido, sem eco. E, então, seguiu sem colecionar nem pedras. E deixou de se proteger, por opção e por certeza. Olhou e ouviu o ranger de latas que importavam. Levantou apenas as caixas essenciais, sem deixar que elas se empilhassem além de seu tempo de metal. O homem de lata deixou de correr e foi ver o sol nascer...
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