Ela olhou pra mim de repente. Entre um repente e outro. Ao
ensaiar um passinho desajeitado. Sorria com olhos, sobrancelhas e testa, como
deve ser. O suor pingando pelo canto do pescoço justificava os cabelos molhados
que eram constantemente sacudidos em direção aos fracos ventiladores. Perguntas
despretensiosas. Nome, trabalho, músicas... Tudo menos a idade. Idade só se
pergunta em dúvida explícita sobre a maioridade das sambistas de enredos
silenciosos, de letras e shows quaisquer.
A conduzida para a dança é a chance de sentir o perfume,
encostar o rosto, sentir o peito à risada inesperada. Conto uma história
constrangedora sobre mim e arranco-lhe sorrisos. Talvez essa seja a forma mais
agradável da mulher sentir-se desejada. Quando há esforços para fazê-la
sentir-se bem e interessante o suficiente para não ser apenas um alvo de tesão
momentâneo. Mulher boa é a que se ofende em uma chegada puramente objetiva, que
se deixa objetificar.
Os lábios começam a roçar, de leve, os lóbulos, como quem
pede complemento. Palavras faltam. Nomes são desnecessários. Toques fluem. Mãos
a apertar a nuca. Passos em compasso. Respirar faz-se opcional. Telefones são
vínculos. E redes. E endereços. Investiga-se a vida, esquece-se passado,
bagagens, defeitos. Calcula-se o tempo necessário para entrar em contato.
Interpreta-se cada ação, cada mensagem respondida ou ignorada.
Conhecer novas pessoas é um recomeço involuntário. Um rush
que não se controla. Carência das inesperadas. Nunca lembramos os primeiros
segundos que vemos as pessoas que mudarão o curso de nossas vidas. Sem informação
de um futuro nem tão distante, ficamos a cargo de nossa seletiva e supérflua
memória. Então, fantasiamos. Reinterpretamos. Tornamos mágicos os minutos que
dão início a toda grande história.
Não há espaço para questionamentos, dúvidas e divagações.
Ali, não há rotinas enfadonhas, trejeitos irritantes, familiares
inconvenientes. Por alguns momentos, somos protagonistas de histórias que valem
a pena. Espectadores de nossa própria graça. Torcedores da superação de nosso
próprio drama. Alimentamos as borboletas do estômago, com minhocas de nossas
cabeças, adubadas com o vírus de paixões que insistem em nos fazer sucumbir de
tempos em tempos. No descanso do acaso, não há distância, essa puta. Ao vacilo
do “não”, também não existe a filha dela, uma tal de saudade...
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