domingo, 17 de junho de 2012

Amigo: aquilo que não se vende, merece ou esquece

Grande Austeróbilo*,

Eu não tenho muitos amigos porque sou gordo. Gordo deve ser seletivo, para ter uma justificativa quando faltar companhia. Isso não quer dizer que sou antipático. Sempre fiz do tipo amigão, que conhece todo mundo. Eu seria uma anomalia em filmes americanos de escolas, em que o gordo chama mais atenção que o capitão de futebol americano (ainda que com menos líderes de torcida). Mas amigo, mesmo, é coisa rara.

Amigo é aquele que te liga, bêbado, num sábado à tarde alegando saudades e, naqueles dias em que você trabalha dezesseis horas na empresa, te liga de madrugada para conversar besteira. E você o atende. Nem que para esculhambá-lo. Se o tom é grave, deixa de lado o cansaço como se ele não existisse. Amigo é complacente em seus desamores, em suas irritações. Basta xingar um pouco um chefe ou vizinho, para que complete: ‘aquele veado’ ou ‘que rapariga!", sem questionar que lado tomar. Em tempos ‘lisos’ ou ‘depressivos’, senta-se ao seu lado, e ‘faz nada’ junto com você.

Essa é uma ‘raça’ desenhada para dizer a verdade que outros teriam constrangimento em falar. Para mandar relaxar quando o mundo está para explodir, dizendo que vai ficar tudo bem, mesmo sem nem ter essa certeza. Eles estão lá, disponíveis, presentes. Visitam-te no hospital, comparecem ao aniversário de casamento de teus pais e, no funeral deles, também, sem convite ou pedido.

Amigo perde junto, chora junto, lamenta junto. Quando bruto, fala nada, mas paga a cana (segundo melhor amigo de ambos). Faz festa quando te liga, sem a intenção de pedir qualquer favor. Se pede, faz cara de gato do Shrek, apenas por protocolo. Amigos fazem ‘arranjos’, distorcem a verdade para te acobertar. Fazem besteiras enquanto tentam ajudar. Gritam e brigam pelas menores inquietações. Abandonam trabalho ou estudo para participar de teus dias mais importantes, sem esperar que você faça o mesmo, tendo certeza que, no entanto, o faria.

Ainda assim, nunca tive muitos amigos. É minha estranha maneira de defesa de minha recorrente mania de apego excessivo aos que me fazem bem. Estudioso, sei bem que tudo chega ao fim. E se as discórdias não os levarem embora; os filhos, casamentos e contas ao final de cada mês, farão o serviço. E se por insistência, o laço da irmandade resistir, no fim, a vida me fará despedir de belas almas que, um dia, me completaram. Então sigo assim, tentando, em vão, me resguardar das mais dolorosas despedidas. Daquelas que sempre se farão presente: em cada amor doentio, em cada prioridade errada, em cada emprego em outras cidades...

E quando decido pela sábia solidão, impassível de feridas, lembro dos sorrisos e abraços, brindes e fracassos. Por fim, deixo tudo à mercê do acaso. Acredito, então na amizade com a própria sorte. Para que, mesmo na distância, torne as certezas evidentes, trazendo os amigos para perto. Sempre. Como sempre deve ser.

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