domingo, 24 de junho de 2012

Caracteres invisíveis de uma crônica inexistente

Encarou a folha de papel em branco. Há quanto tempo não pegava numa caneta para obrigá-la a desafiar a superfície convidativa que apenas os derivados da celulose oferecem? Trocou, como quase todo mundo, o cheiro do livro novo e do caderno pouco rabiscado pelas telas geladas e impessoais. Sem capas coloridas, dedicatórias nas folhas de rosto, recados sacanas nas contracapas...

Queria escrever sobre a vida. Sobre os prazeres de vivê-la. Acabou acometido por uma série de pensamentos negativos que em nada respiravam o odor de orvalho fresco, quase se esvaindo por uma alta relva esquecida. Decidiu que seus sorrisos, naquele momento, eram insuficientes para tratar do assunto.

Passou então a ensaiar sobre as dificuldades do caminho. Das provações inevitáveis que se apresentam no trajeto. Mas em nada isso se aproximava da inquietação morna que lhe tomava o peito, das belas imagens que lhe marcava a retina como que tatuagens de uma memória mais que presente. Decidiu que seus desamores, naquele momento, eram insuficientes para tratar do assunto.

Olhou fixamente os caracteres invisíveis de uma crônica inexistente. Como se, esta, valesse de algo, ainda que se fizesse imaterial. Como se um grito silencioso lhe saísse de olhos e ouvidos, contrariando os cursos naturais. Decidiu que escrever, naquele momente, era insuficiente para qualquer assunto. Foi viver.

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