segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Dois amigos e um restaurante

Eram dois amigos jantando em um restaurante, como qualquer dia ao acaso. Enchiam a cara com o whisky de rótulo verde, sem importar-se com preços. O jantar, lagostas e iguarias tailandesas, já havia sido acompanhado pelo vinho mais caro. Não estavam ali pela comida. Riram, ao lembrar-se de cada momento que tinham enfrentado juntos - pelos últimos o quê? dez anos? -. Brindavam, fazendo planos mirabolantes para as próximas semanas. Pular de bungee jump, saltar de asa delta, comprar um Aston Martin - usado, claro -, fazer sexo com três mulheres ao mesmo tempo - cada uma com uma cor de cabelo diferente - e fazer uma grande viagem de moto conhecendo, pelo menos, cinco estados. Por enquanto, seria o suficiente. Estranhou, quando, sem pedir, lhe serviram a sobremesa.

"Mas aqui não servem cartola!".
"Hoje servem", ouviu em resposta.

O doce de banana assada com canela e açúcar era uma herança gastronômica que havia herdado do falecido pai. Isso e a propensão para desenvolver o câncer em terceiro estágio com o qual tinha que conviver. Por pouco tempo, era verdade. Encarou o prato como quem enxerga em cada monte de açúcar, histórias engraçadas que em nada tinham a ver com o prenúncio de uma despedida. Olhou o rosto do amigo, que se esforçava para manter um sorriso fingido nos lábios. Praticamente o obrigara a estar nessa situação. Sentia-se mal por estar doente.

"Eu não vou dizer que amo você, meu velho!", brincou o amigo puxando com o próprio garfo, um pouco da sobremesa.
"Não precisa. E peça sua própria sobremesa", retrucou.
"Não como sobremesa quando estou bêbado".

Ao redor, garçons os olhava como quem se despede de grandes minas de ouro. Havia simpatia, e até remorso, mas o lamento era mais financeiro. Era como se todos soubessem o que acontecia. De alguma forma, todos sabem. Não há chapéu discreto o suficiente que os façam ignorar os cabelos que insistem em desprender-se. Sorriu. Sorveu um pouco mais do caro whisky, junto ao pedaço da idolatrada cartola com gosto de alumínio. Àquela altura, tudo tinha gosto de alumínio.

Brindou mais uma vez junto ao irmão "por opção", que o aturou por oito longos anos e três "agradáveis" sessões de quimioterapia. A noite de bebedeira, dessa vez, seria perdoada por ambas as esposas. Queria tranquilizá-lo, mas não sabia como. Mal sabia como manter-se calmo para aproveitar os quatro "longos" meses que estariam por vir. Simplesmente questionou:

"Você sempre reclama que não tira férias..."
"Não vou reclamar do trabalho hoje", gargalhou, interrompendo-o.
"O que você faria se seu chefe te oferecesse quatro meses de férias a partir de hoje?", insistiu, enquanto via o semblante do amigo mudar.
"Eu acho que aproveitaria ao máximo para fazer tudo que eu sempre quis. Iria aos lugares que sonhei..."
"E se não tivesse que se preocupar com dinheiro? Pudesse torrar tudo que tinha?"
"Estouraria todos os cartões e ficaria bêbado todos os dias", riu alto.
"O tempo importa tanto quanto o que fazemos com ele", finalizou, pouco antes de levantar a mão em sinal: "Amigo, mais uma, por favor!". E sorriu.

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