Costumava assistir a Anos Incríveis quando mais jovem. A ânsia de recontar minhas próprias experiências, como o fazia Kevin Arnold, certamente influenciaram em minhas escolhas profissionais. Também acabei apaixonado por algumas Winnie Coopers que encontrava pelo caminho. Viver, e crescer, foi mais ou menos como, enfim, conferir de perto o último episódio da série da antiga Tv Cultura, ainda recheada de programas como X-Tudo e Tintin.
Depois de quase dez anos vendo alguém que, como eu, tinha excesso de imaginação e fazia escolhas erradas, vi a única certeza, que tinha desde os primeiros episódios, cair por terra. Foi quando aprendi: você e Winnie nunca ficarão juntos; seus pais, um dia, morrem; irmãos são praticamente os únicos humanos no planeta que continuarão a seu lado apesar de seus destemperos; você não necessariamente será alguém de sucesso, mas tem que enfrentar a entrega de algumas pizzas, antes de começar a inventar sabores e, por mais que você se engane, ninguém dá oportunidade a ninguém, você as cria.
Acredito que minha adolescência tenha terminado ali, junto ao color bar que sucedeu o último episódio. Anos depois, ainda lembro das mesmas palavras ouvidas, da nostalgia que apenas contemplava um passado de ilusões, sem lamentá-lo. Anos Incríveis mudou minha vida em anos não tão incríveis assim. Você nota que o tempo passou quando percebe que seus antigos sonhos não morreram, mas perderam força e senso de oportunidade; acabaram guardados no fundo de algum compartimento qualquer de ideais esquecidos em prol de nossa sanidade, que tanto rejeita fracassos.
Fotografias antigas não ajudam. Revelam traços perfeitos, momentos felizes, contemplações puras e inconsequentes, que só as tem aqueles que não conhecem o amargo do desapontamento. Não há silêncio mais cortante que aquele que sucede o momento em que as expectativas são frustradas por respostas definitivas.
Lembro de ter lido que devemos sempre aprender com os erros dos outros, porque, em uma única vida, não seria possível cometê-los todos você mesmo. Hoje entendo que quero uma vida de erros. De riscos, loucuras e superstições. Viver de forma regrada, com medo do efeito borboleta que cada passo que se dá pode criar, não mais me agrada. Meus desejos mais selvagens hoje são: beber até desmaiar, na presença de amigos de verdade; comer picanha com chocolate, só porque tudo bom, junto, só pode ficar melhor; estourar todos os limites de cartões de crédito porque, depois de cinco anos, o nome acaba ficando limpo no Serasa; e dizer vários 'Foda-se' em vez de 'Bom dia' (para quem merece, claro).
A grande verdade é que não temos como editar nossas memórias, deixando de lado o que preferiríamos que não fizesse parte de nossa história. Enquanto há tempo e possibilidade, quero aproveitar para fazer o que a razão manda e também o que ela desaconselha. Quero a autodestruição tanto quanto as vitórias, desde que, de ambas, possa dizer que valeu a pena os sacrifícios. Hoje entendo que, se nem Kevin e Winnie ficaram juntos, muito nesse mundo não faz tanto sentido assim. Por isso, não há tempo para avaliar as próprias ações e escolhas, questionar se alguém se pauta por Dostoievsky ou por uma série dos anos 80. Feliz é aquele que não teme a pneumonia porque a sensação de tomar banho de chuva é irresistível. Vai entender?
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