Ele chegou nas primeiras horas da manhã. Apenas com uma mochila, um saco de dormir e alguns cartazes. Fincou parada próximo a uma barraca de sucos e lá permaneceu. No papel colorido estava escrito apenas “Você pode dizer onde estou?”. Ele olhava para a esquina, como se esperasse algo. Não se mexia, não falava, mal piscava.
No caminho do trabalho, as pessoas começaram a parar e olhá-lo. Não parecia se incomodar. Alguns diziam “você está na cidade, amigo”. O nome do local, em si, não importava. Poderia ser qualquer um. Outros, ficavam compadecidos, ofereciam dinheiro. Ele apenas balançava a cabeça, em negação. Os olhos, com ainda menos felicidade. Parece que a vida é simples o bastante para que melhore imediatamente ao custo de alguns trocados.
Algumas horas depois, as pessoas se amontoavam. Ninguém sabia o que ele fazia ali. Ele também não dizia. Alguns reclamavam. A ‘tia’ do suco gritava que ele estava espantando os clientes. Uns jovens mais ousados o empurravam para checar sua reação. Recebiam apenas um olhar vago e vazio. Ficavam com medo. Ou pena.
Já era noite quando as apostas começaram. Sem comer, beber água ou ir ao banheiro, o bolão discutia quanto tempo a ‘palhaçada’ continuaria. Na mesma posição que estava, o jovem continuou. Das janelas dos prédios residenciais, as pessoas acompanhavam o estranho, um reality show particular. Naquele dia, todos dormiram mais tarde, entrando na madrugada. Não era preocupação, mas curiosidade.
No dia seguinte, as reclamações voltaram junto aos comerciantes. A polícia chegou rápido. Parecia já saber do ocorrido, mas esperava que tudo se resolvesse naturalmente. Como já ocorre quase sempre. “Você não pode ficar aqui, garoto!”, disse o agente. A voz, fraca, mas segura, foi ouvida pela primeira vez: “Estou esperando alguém”. “Quem?”, insistiu. “A rua é pública. Tão minha quanto sua, quanto dela. Me diga um bom motivo para que eu não possa ficar aqui. Eu saio”. A resposta foi simples, dura. Mas não havia qualquer sinal de agressividade na fala.
Nas horas seguintes, as apostas aumentaram. A imprensa foi chamada e fazia estardalhaço. Sem uma palavra sequer do jovem, investia nos relatos de vizinhos e espectadores. “Eu vi quando ele chegou. Acho que tem problemas mentais”, dizia um. “Apostei em 32 horas. Espero que ele agüente mais alguns minutinhos”, brincava outro. Cada vez mais pessoas chegavam. A balbúrdia estava instaurada. Todos queriam saber qual era o seu problema. Todos queriam entender. Não era preocupação, mas curiosidade.
Da multidão, alguém grita: “Ele tem uma foto no bolso”. E então, a polícia intervém. O comportamento estava explicado. Após surto psicótico, ele deveria ter cometido algum crime contra a jovem. Caso contrário, estava perturbando a ordem pública. A mulher estava deixando de vender seus sucos. O trânsito estava comprometido. A imprensa, em polvorosa. “Coloquem no camburão”.
Tentaram interrogar. Tentaram pressionar. Horas de silêncio. E ao lhe tirarem a fotografia, ouviram: “Isso não é seu e eu tenho que voltar para o meu lugar”. “Aquele não é seu lugar, rapaz. Você deveria estar em casa”, ao que foi respondido: “eu estava onde deveria estar”. Do lado de fora da delegacia, tumulto. Já iam fechando a cela, tirando a fotografia entre os pertences do perturbador da paz, quando ele disse: “Eu a estava esperando. E se vocês não me soltarem; E se ela sentir minha falta; E se ela ouvir falar de mim; E se ela lembrar; E se ela decidir me encontrar; E se ela procurar; E se ela voltar, ao mesmo lugar onde nos vimos pela primeira vez; Eu não estarei lá”.
Fez-se o silêncio. Lembraram do cartaz “Você pode dizer onde estou?”. Tudo fazia sentido. Ignorância desses jovens, acreditar que pode mobilizar uma cidade inteira por conta de um devaneio egoísta, era o pensamento. Ele terá que pagar. Fez-se o barulho. Do lado de fora, todos revoltados. Quem ele pensava que era por mexer com seus preciosos tempos daquela forma? E por um motivo tão banal. Exigiam explicação. Da escadaria, veio a única declaração: “Se um dia ela sentisse minha falta; E voltasse; E quisesse me ver; E procurasse; Então, ela saberia onde me encontrar. Me perdoem por desviar suas atenções ou ocupar o seu metro quadrado de uma calçada. Só queria que ela soubesse onde estou”, disse, antes de ser recolhido. Fez-se o silêncio. Já não era curiosidade, era preocupação.
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