Ao abrir os olhos, a cabeça 'gritou' fino, como que para mostrar que estava ali, e não iria a lugar algum. A garganta ressecada impediu a reclamação e os olhos, pesados (ainda que menos que o resto do corpo), insistiam em estacionar. Ótimo, gripe! A certeza de que 'ficar' não seria possível foi quase tão certa quanto a de que, para um dia que começa assim, as notícias não o farão melhorar. Definitivamente, hoje, não há promoções, nem loterias, nem surpresas, nem loucuras de amor. Apenas horas passando, replicantes.
Com esta ideia, o mau humor cresce, invade, reproduz-se. A cada exclamação de surpresa por sentirem falta do habitual sorriso, menos ele se mostrava disponível ou possível. E foi assim, entre insolações e ligações, umas insistentes, outras displicentes, as notícias confirmavam: - "Ela está com Parkinson" ou "Olha, não vai rolar" - Sim, este não é um bom dia.
Um banho longo, travesseiro murcho, música antiga tocando, de longe. Mal dá para saber se é efeito da febre. Será que tudo realmente aconteceu? Os lábios mordidos anseiam que não, mas as unhas roídas denunciam... Finalmente, ri: "Daqui a pouco vão ligar para dizer que meu cachorro morreu, o seguro-saúde foi suspenso, fui incluído no serasa e/ou demitido".
Ignora a babaquice social que insiste em voltar: "Tem muita gente pior, com problemas maiores". Questiona por que teria que se comparar aos que mais sofrem, em vez dos que mais vivem tranquilo? Sente vontade de chutar um gato, tomar um porre, mas só consegue puxar o cobertor mais para cima.
E chega àlgumas conclusões. Diz para todo mundo que o mundo não se resume a SEU mundo, que a vida não é feito apenas de momentos e que aceitar ou rejeitar o que pensam ou falam a seu respeito é independente ao fato de que vão continuar pensando e falando. Diz para as pessoas, que o outro tem carne, mas também coração, que o certo nem sempre é bonito, bem tratado e novo em folha e o rolo compressor que faz com que 'tudo gire' não vai esperar você obter as respostas para cobrá-las.
Fica na dúvida apenas ao se questionar se, agora, o que desejaria de verdade seria uma cura, que a doença nunca tivesse acontecido ou uma vacina eterna. E, por fim, entende que não saber a resposta ou mesmo parar para tentar identificá-la é apenas mais uma prova de que não sabemos o que queremos, não sabemos o que é bom para nós mesmos, não sabemos quando baixar a guarda, quando devemos dizer 'sim', nem quando as oportunidades surgem em nossa frente. E no entanto, seguimos sabendo tanto de tudo, que esquecemos que o mundo é feito de pessoas e pessoas são só pessoas.
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